28 abril, 2017

1ª greve geral do país, há 100 anos, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias

Em junho de 1917, décadas antes da consolidação das leis trabalhistas no Brasil, cerca de 400 operários - em sua maioria mulheres - da fábrica têxtil Cotonifício Crespi na Mooca, em São Paulo, paralisaram suas atividades.


                                                                  Foto: Arquivo Edgar Leuenroth/Unicamp. 

A reportagem é de Camilla Costa e publicada por BBC Brasil, 28-04-2017.
Eles pediam, entre outras coisas, aumento de salários e redução das jornadas de trabalho, que até então não eram garantidos por lei. Em algumas semanas, a greve se espalharia por diversos setores da economia, por todo o Estado de São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Era a primeira "greve geral" no país.
Mas uma das principais diferenças entre aquela e a greve geral convocada para esta sexta-feira, em protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência, é que, em 1917, ela não foi anunciada como tal, disse à BBC Brasil o historiador Claudio Batalha, da Unicamp."Não é uma greve que já tivesse bandeiras gerais. Ela começa com questões específicas dos setores que vão aderindo ao movimento grevista, alguns por solidariedade. Depois é que a pauta passou a incluir desde reivindicações relacionadas ao trabalho até reivindicações de cunho político - libertação dos presos do movimento, por exemplo."
Uma destas questões específicas, menos comentada nos livros de história, era o assédio sexual. Segundo Batalha, parte da revolta das funcionárias do Cotonifício Crespi era o assédio que sofriam dos chamados contramestres, funcionários que supervisionavam o chão de fábrica. "Isso não era incomum na época. Greves anteriores já haviam começado contra determinado funcionário que tivesse um cargo de chefia e tirasse proveito desse poder", explica.

Crescimento

Mas se a convocação de 2017 reflete a insegurança causada pelo desemprego e pela recessão, em 1917, a indústria brasileira ia de vento em popa. Na verdade, os lucros das empresas chegavam a duplicar a cada ano.
"Entre 1914 e 1917, com a Primeira Guerra Mundial, se passou de uma recessão econômica a um superemprego, porque os produtos brasileiros passaram a substituir os importados e a serem exportados", explica o historiador italiano radicado no Brasil Luigi Biondi, da Unifesp. "Em 1914, o Cotonifício Crespi lucrou 196 contos de réis. No ano seguinte, o lucro foi de 350 contos de réis. E foi aumentando. Enquanto isso, aumentavam as horas de trabalho."
Com o aumento da produção, as fábricas brasileiras, que tinham poucas máquinas, vindas do exterior, tiveram que usá-las por mais tempo. Isso significava que os operários passaram a trabalhar até 16 horas por dia, sem aumento de salário.
No final de junho, a paralisação dos operários do Crespi contagiou os 1.500 operários da fábrica têxtil Ipiranga. Em seguida, se espalhou pela indústria de móveis, concentrada no Brás, e chegou até a fábrica de bebidas da Antarctica. "Em julho, a greve parou a cidade (São Paulo). Havia embates de rua e tentativa de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento. Muitos foram mortos e feridos nos confrontos com a polícia", diz Biondi.
O movimento ganhou mais fôlego no dia 11 de julho, quando milhares acompanharam o enterro do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos. Ele morreu com um tiro no estômago depois que uma unidade de cavalaria da polícia dispersou manifestantes que quebraram barris de cerveja diante da fábrica da Antartica, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, que noticiou o confronto.
"A partir daí, a greve se alastrou para quase todas as cidades do interior de São Paulo. Campinas, Piracicaba, Santos, Sorocaba, Ribeirão Preto. Até Poços de Caldas, no sul de Minas, que não era uma cidade industrial, teve movimentos de greve", afirma o historiador.

Negociação

Em 16 de julho - mais de um mês após o início da paralisação no Cotonifício Crespi - um acordo entre autoridades, organizações trabalhistas e industriais, mediado por jornalistas, pôs fim à greve em São Paulo. Mais ainda não era o fim da greve geral. "Só em São Paulo a greve de fato terminou com uma negociação única. No Rio e em Porto Alegre, os movimentos tiveram dimensões gerais, mas só terminaram na medida em que cada setor chegava a um acordo com seu patronato. O ritmo de saída da greve foi aos poucos, assim como a adesão", explica Batalha.
Segundo Biondi, até mesmo na cidade de São Paulo ainda havia categorias entrando em greve no dia 18 de julho, como os pedreiros. Parte dos empresários se recusava a assinar os acordos e queria negociar condições diretamente com os funcionários.
Mesmo com a assinatura dos acordos, a consolidação dos direitos só viria em 1943, durante o regime de Getúlio Vargas.
"O que acontecia muitas vezes na época é que algo era obtido com uma greve, passava-se algum tempo e essa reivindicação voltava para nada", diz Claudio Batalha. "Em 1907, também houve uma série de greves pedindo a jornada de trabalho de oito horas. E elas chegaram a diminuir, mas, depois de algum tempo, o patronato voltou a estabelecer as jornadas anteriores. O mesmo ocorreu após 1917."
A experiência da primeira greve geral também fez com que os empresários se preparassem para enfrentar futuras paralisações - o que tornou novas negociações mais difíceis para os trabalhadores.
"Uma das coisas que levou ao sucesso relativo da greve em 1917 é que as fábricas não tinham estoques. Quando os operários paravam, não havia produtos nas lojas. A partir daí, eles passaram a ter grandes estoques, e podiam permanecer sem funcionar um certo período porque tinham produção para vender."
Batalha lembra, no entanto, que o acordo só surgiu depois que "a greve atingiu dimensões tais que não tinha mais como controlar o movimento". "A primeira tentativa de lidar com a greve foi de repressão. Essa era a tônica do período, tanto que houve mortes. Parte do processo de ampliação da greve, inclusive, se deveu a essas mortes."
"Até hoje a solução repressiva pode ser um desserviço às autoridades. Se a gente pensar nos protestos de 2013, a virada no número de pessoas em São Paulo foi quando houve uma repressão desproporcional à manifestação", afirma.

Ideologia

Em fevereiro de 1917, meses antes da greve brasileira, mulheres que trabalhavam na indústria têxtil deram início a protestos e a uma paralisação que teria consequências ainda maiores: a revolução russa.
"Essa greve também é importante porque mostra a conexão do Brasil com o resto do mundo. Naquele ano, greves como aquela ocorreram em diversos países", diz LuigiBiondi.
Ideologias como o anarquismo e o socialismo marxista, que chegaram a São Paulo principalmente pelos imigrantes italianos, tiveram um papel importante na organização do movimento. "Por causa da Rússia, eles tinham a ideia de que aquilo poderia levar a uma insurreição dos trabalhadores. Isso não ocorreu, mas a cidade foi tomada. Pela primeira vez isso espantou as elites do país, que começaram a se dar conta de que a questão social urbana era grave e tinha que ser considerada."
Batalha acha que as correntes socialistas "tinham certa liderança", mas que sua influência era maior sobre trabalhadores qualificados. "O que faz com que uma greve funcione é que as pessoas sintam que aquele estado de coisas chegou ao limite. Uma das características importantes de 1917 é que, pela primeira vez, setores que não participavam desse tipo de movimento começaram a participar." 

Mensagem da CNBB aos trabalhadoras (es) do Brasil: “Encorajamos a organização democrática e mobilizações pacíficas”

"É inaceitável que decisões de tamanha incidência na vida das pessoas e que retiram direitos já conquistados, sejam aprovadas no Congresso Nacional, sem um amplo diálogo com a sociedade", destaca a CNBB sobre as reformas em curso no congresso brasileiro, em mensagem a toda a sociedade brasileira.
Eis a mensagem.
Aos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil
“Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho” (Jo 5,17)
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida, no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida – SP, em sua 55ª Assembleia Geral Ordinária, se une aos trabalhadores e às trabalhadoras, da cidade e do campo, por ocasião do dia 1º de maio. Brota do nosso coração de pastores um grito de solidariedade em defesa de seus direitos, particularmente dos 13 milhões de desempregados.
O trabalho é fundamental para a dignidade da pessoa, constitui uma dimensão da existência humana sobre a terra. Pelo trabalho, a pessoa participa da obra da criação, contribui para a construção de uma sociedade justa, tornando-se, assim, semelhante a Deus que trabalha sempre. O trabalhador não é mercadoria, por isso, não pode ser coisificado. Ele é sujeito e tem direito à justa remuneração, que não se mede apenas pelo custo da força de trabalho, mas também pelo direito à qualidade de vida digna.
Ao longo da nossa história, as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras pela conquista de direitos contribuíram para a construção de uma nação com ideais republicanos e democráticos. O dia do trabalhador e da trabalhadora é celebrado, neste ano de 2017, em meio a um ataque sistemático e ostensivo aos direitos conquistados, precarizando as condições de vida, enfraquecendo o Estado e absolutizando o Mercado. Diante disso, dizemos não ao “conceito economicista da sociedade, que procura o lucro egoísta, fora dos parâmetros da justiça social” (Papa Francisco, Audiência Geral, 1º. de maio de 2013).
Nessa lógica perversa do mercado, os Poderes Executivo e Legislativo reduzem o dever do Estado de mediar a relação entre capital e trabalho, e de garantir a proteção social. Exemplos disso são os Projetos de Lei 4302/98 (Lei das Terceirizações) e 6787/16 (Reforma Trabalhista), bem como a Proposta de Emenda à Constituição 287/16 (Reforma da Previdência). É inaceitável que decisões de tamanha incidência na vida das pessoas e que retiram direitos já conquistados, sejam aprovadas no Congresso Nacional, sem um amplo diálogo com a sociedade.
Irmãos e irmãs, trabalhadores e trabalhadoras, diante da precarização, flexibilização das leis do trabalho e demais perdas oriundas das “reformas”, nossa palavra é de esperança e de fé: nenhum trabalhador sem direitos! Juntamente com a Terra e o Teto, o Trabalho é um direito sagrado, pelo qual vale a pena lutar (Cf. Papa Francisco, Discurso aos Movimentos Populares, 9 de julho de 2015).
Encorajamos a organização democrática e mobilizações pacíficas, em defesa da dignidade e dos direitos de todos os trabalhadores e trabalhadoras, com especial atenção aos mais pobres.
Por intercessão de São José Operário, invocamos a bênção de Deus para cada trabalhador e trabalhadora e suas famílias.
Aparecida, 27 de abril de 2017.